Fundada em 1585 por colonizadores portugueses, João Pessoa nasceu de costas para o mar, ao contrário das demais capitais do país banhadas pelo Oceano Atlântico. As primeiras edificações da cidade, uma das mais antigas do Brasil, foram erguidas às margens do Rio Sanhauá, afluente do Rio Paraíba, no bairro do Varadouro. Hoje conhecido como o Centro Histórico de João Pessoa, o berço da capital preserva uma variedade de referências arquitetônicas tradicionais do período colonial. Mas esse não é o único lugar do município onde estilos diversos de arquitetura misturam-se a marcas da história pessoense.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), João Pessoa possui 502 construções tombadas, que representam uma área de 370 mil m2, abrangendo 25 ruas e seis praças, todas representativas dos vários períodos vivenciados pelo município.
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Mudanças
A arquiteta Maria Helena Azevedo, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), diz que as origens da cidade, ainda como Filipeia de Nossa Senhora das Neves, foram caracterizadas por construções no estilo chamado de chão português, presente, por exemplo, nas formas “austeras e sóbrias” da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia. “A Basílica de Nossa Senhora das Neves também foi construída em chão português. No entanto, ela passou por uma reforma no século 19, que a deixou com as feições atuais”, pontua a especialista, explicando que outras alterações, implementadas ao longo do tempo, acrescentaram novos elementos à paisagem arquitetônica da capital.
“João Pessoa é uma cidade de 439 anos que se modificou muito, do ponto de vista construtivo. O que eu quero dizer é que, quando havia mudanças estéticas na linguagem da arquitetura, era comum as pessoas incorporarem essas mudanças na fachada dos seus edifícios. Com isso, muitas das características das primeiras casas construídas na cidade foram modificadas com a introdução de novos elementos”, comenta Maria Helena.
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De acordo com o também arquiteto Filipe Valentim, essas transformações podem ser conferidas em diferentes cenários da Cidade Alta, onde “a gente encontra arquiteturas neoclássicas, ecléticas, que foram elaboradas no período colonial, mas constantemente renovadas ao longo do tempo”, como se observa na Avenida General Osório e na Rua Duque de Caxias, ambas no Centro de João Pessoa.
Templos católicos antigos são exemplares de estilos variados
Apesar das sucessivas modificações, o município ainda ostenta edificações antigas que não apenas mantiveram seus aspectos originais, como também se tornaram exemplares admirados de estilos arquitetônicos consagrados. É o caso do Convento de Santo Antônio — mais conhecido, hoje, como a Igreja de São Francisco —, tombado pelo Iphan, em 1952, e nacionalmente reconhecido como uma obra-prima do barroco.
De fato, conforme esclarece Filipe Valentim, esse estilo está presente, principalmente, na arquitetura religiosa, marcando-se “por uma temática bastante decorada, exuberante, com muitas reentrâncias, movimento e fachadas dinâmicas”. Maria Helena aponta que os atributos barrocos também incluem “o uso de uma paleta de cores escura, o douramento da talha — técnica que pode ser vista na Capela da Ordem Terceira de São Francisco — e o uso da vieira, uma concha característica desse estilo”.
Contextualizando seu desenvolvimento, entre os séculos 16 e 18, a arquiteta detalha, ainda, que o templo da capital é fruto de um grande empreendimento arquitetônico regional. “Os franciscanos construíram 13 conventos no Nordeste do Brasil, entre a Bahia e a Paraíba. O convento da Paraíba não passou por nenhuma grande transformação morfológica, apresentando, até os dias atuais, o cruzeiro, o adro e a cerca conventual, tal qual como foi construído, há muitos anos”, enfatiza.
Além do barroco e do chão português, outro estilo chama atenção quando se passeia pelo conjunto histórico de edificações religiosas de João Pessoa: a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, como define Maria Helena, “é um belo exemplar do rococó”, exibindo retábulos talhados por meio da técnica de cantaria em pedra calcária. A especialista cita algumas diferenças trazidas por esse estilo: “O rococó passou a usar cores claras e a concha barroca foi substituída pelas rocailles [curvas da decoração]”.
Linguagens neoclássica e eclética decoram construções diversas
Como observado pelo arquiteto Filipe Valentim, os estilos neoclássico e eclético também decoram os cenários urbanos preservados da cidade, conferindo ainda mais diversidade à arquitetura pessoense. Ambos se distinguem, segundo ele, pela retomada de elementos arquitetônicos clássicos, como os frontões — ornamentos, geralmente triangulares, colocados no topo da parte central de edifícios — e as platibandas decoradas — faixas verticais que emolduram a parte superior de construções, escondendo o telhado.
“Esse trabalho foi feito nas fachadas das construções; então, a gente tem, na Av. General Osório, uma série de residências com a implantação do lote em modelo colonial — casas geminadas, coladas umas nas outras, com frentes estreitas —, mas com fachadas decoradas e ornamentadas num estilo mais voltado para as décadas de 10 e 20 do século 20, período em que essas casas foram renovadas”, conta.
Maria Helena indica que o neoclássico pode ser apreciado na Biblioteca Augusto dos Anjos, no Palácio do Bispo e na Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Já a “profusão de informações” típica do estilo eclético, conforme ela, aparece em construções como a loja maçônica na Av. General Osório e em algumas casas na Rua das Trincheiras, como a sede do Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
“Quando observamos os dois primeiros eixos de expansão da cidade, que são a Rua das Trincheiras e o bairro de Tambiá (incluindo a Rua Odon Bezerra e a Praça da Independência), encontramos, ainda, edifícios nas linguagens art nouveau e art déco, como o prédio da Secretaria de Finanças”, complementa a arquiteta.
Esses e outros edifícios, como reforça Filipe, formam um rico legado para recontar a história da cidade e do país. “Sendo tão antiga, João Pessoa passou por muitas transformações, mas elas aconteceram sobre uma base já estabelecida, um tecido urbano consolidado, então temos essas reminiscências dos velhos tempos convivendo com obras mais contemporâneas, e preservá-las nos ajuda a compreender que a longa história da capital permanece nesses resquícios”, frisa ele, defendendo que proteger a integridade desse patrimônio ajuda a fortalecer a identidade e o senso de pertencimento da população pessoense.